Diante da crescente popularização do instituto da recuperação judicial, é possível afirmar que sua importância tem sido cada vez mais reconhecida. A despeito disto, alguns termos e conceitos permanecem sendo incompreendidos por aqueles que não são operadores do direito, ou até mesmo aqueles que são, mas não atuam na área do direito falimentar e de recuperação de empresas.
Dentre estes “termos e conceitos”, podemos citar a consolidação processual e a consolidação substancial, previstas na Seção IV-B, artigos 69-G a 69-L, da Lei n° 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências – LREF), cuja aplicabilidade prática se revela menos complexa do que pode transparecer.
Cumpre destacar, primeiramente, que todos os dispositivos da Seção IV-B da LREF foram introduzidos pela Lei n° 14.112/2020, que entrou em vigência no dia 23 de janeiro de 2021.
Antes disto, a LREF era silente acerca da possibilidade de duas ou mais sociedades empresárias, atuantes em conjunto no mercado e/ou componentes de um grupo econômico, ingressarem com um único pedido de recuperação judicial. Desta maneira, coube a jurisprudência estabelecer tal possibilidade, porém não de maneira clara e unânime, o que ainda gerava certa insegurança jurídica.
Felizmente, a questão foi superada com a superveniência da já citada Lei n° 14.112/2020, que introduziu a Seção IV-B da LREF, a qual, em seu artigo 69-G, passou a estabelecer expressamente a possibilidade de devedores “que integrem grupo sob controle societário comum” requererem recuperação judicial sob “consolidação processual”.
Nesta hipótese, cada devedor deverá apresentar individualmente sua documentação (artigo 69-G, § 1°, LREF), assim como cada um deverá propor seus meios de recuperação independentes e específicos, ainda que em um único plano (artigo 69-I, § 1°, LREF). Além disto, os credores de cada um dos devedores irão deliberar em assembleias independentes (artigo 69-I, § 2°, LREF).
Ou seja, no regime de “consolidação processual” continua prevalecendo a independência de cada devedor e a separação de seus ativos e passivos, podendo até mesmo ser concedida a recuperação de judicial de um e decretada a falência de outro (artigo 69-I, § 4°, LREF)
Neste caso, somente o processamento se dará em conjunto, em um único processo, com nomeação de um único administrador judicial (artigo 69-H, LREF). Nas palavras de Marcelo Barbosa Sacramone (2023, p. 217):
“A pluralidade subjetiva no polo ativo, na hipótese de consolidação processual, é apenas medida de economia processual, mas não imprescindível. Assegura-se o litisconsórcio facultativo como mera alternativa para que os diversos empresários do mesmo grupo possam coordenar suas ações e reduzir custos comuns para a superação da crise econômica”
Por outro lado, no artigo 69-J da LREF passou a estabelecer a possibilidade de o juiz, em medida excepcional, autorizar a “consolidação substancial” dos ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico, quando houver interconexão e confusão entre tais ativos ou passivos, a ponto de tornar impossível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos.
Para tanto, ainda há a necessidade de estarem presentes pelos menos duas das hipóteses previstas nos incisos do mesmo dispositivo legal, sendo elas: existência de garantias cruzadas (inciso I); relação de controle ou dependência (inciso II); identidade total ou parcial do quadro societário (inciso III); atuação conjunta no mercado (inciso IV).
Isto posto, na hipótese de “consolidação substancial”, os ativos e passivos dos devedores serão tratados como se pertencessem a um só (artigo 69-K, caput, LREF), de forma que deverá ser apresentado plano de recuperação judicial unitário (artigo 69-L, caput, LREF), que será deliberado em assembleia de credores única (artigo 69-L, § 1°, LREF), ao passo que a rejeição do plano implicará na convolação em falência de ambos os devedores (artigo 69-L, § 2°, LREF).
Portanto, conclui-se que tanto a “consolidação processual” como a “consolidação substancial” são modalidades de litisconsórcio ativo no que se refere ao processamento da recuperação judicial, tendo como principal diferença o fato de que, na primeira, é preservada a independência dos devedores, ao passo que, na segunda, ambos são considerados como um só.
REFERÊNCIAS
SACRAMONE, Marcelo B. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. [Digite o Local da Editora]: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553627727. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627727/. Acesso em: 09 set. 2023.