O Seguro De Vida e a Cobertura Em Caso De Suicídio

O seguro de vida é uma das modalidades de seguro mais conhecidas e populares no Brasil, tendo como finalidade principal a proteção financeira do segurado e de seus beneficiários. Conforme conceitua Norbim (2014) “o seguro de vida tem como objeto o pagamento de valor fixado na apólice por ocasião do evento morte do segurado”. Referido pagamento, evidentemente, se dá aos beneficiários indicados pelo segurado, geralmente familiares.

Isto posto, o seguro de vida é permeado por diversas discussões jurisprudenciais e doutrinárias, sendo que um dos temas mais polêmicos certamente é acerca da cobertura em caso de suicídio.

Antes da vigência do Código Civil de 2002, a jurisprudência havia se consolidado no sentido de que “salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro” (Súmula 105 do STF) e de que “o seguro de vida cobre o suicídio não premeditado” (Súmula 61 do STJ).

Portanto, para afastar a cobertura, o segurador precisava provar que tinha havido premeditação por parte do segurado, ou seja, que este havia contratado o seguro já planejando o suicídio com o objetivo de garantir o recebimento de valores pelos beneficiários.

A partir de 2002, o tema passou a ter previsão expressa no artigo 798 do Código Civil, cujo caput estabelece que “o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente”. Já o parágrafo único do mesmo dispositivo preceitua que “ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado”.

A despeito disto, o debate jurisprudencial continuou e, por muitos anos, predominou o entendimento de que o artigo 798 do Código Civil “não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária”, conforme julgados do Superior

Tribunal de Justiça no Recurso Especial n° 1.077.342/MG (2008/0164182-3) e no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 1.244.022/RS (2009/0205115-0).

Contudo, no ano de 2015 o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento ao Recurso Especial n° 1.334.005/GO (2012/0144622-7), alterou o entendimento, passando a privilegiar a literalidade do artigo 798 do Código Civil. Cumpre trazer a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO DENTRO DO PRAZO DE DOIS ANOS DO INÍCIO DA VIGÊNCIA DO SEGURO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, o suicídio é risco não coberto. Deve ser observado, porém, o direito do beneficiário ao ressarcimento do montante da reserva técnica já formada (Código Civil de 2002, art. 798 c/c art. 797, parágrafo único).

2. O art. 798 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação. Após o período de carência de dois anos, portanto, a seguradora será obrigada a indenizar, mesmo diante da prova mais cabal de premeditação.

3. Recurso especial provido.

Já no ano de 2015, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 610, no sentido de que “o suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica formada”.

Finalmente, no ano de 2019, através do julgamento ao Recurso Especial n° 1.721.716/PR (2017/0243200-5) pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça, houve a modulação dos efeitos da Súmula 610, prevalecendo naquele caso concreto, a aplicação do entendimento anterior da Corte, vigente à época do ajuizamento da ação.

Sendo assim, conclui-se que, atualmente, a jurisprudência se encontra pacificada quanto à interpretação literal do artigo 798 do Código Civil, de forma que a cobertura do seguro de vida é afastada na hipótese de suicídio do segurado nos primeiros dois anos de vigência contrato, ficando, neste caso, ressalvado o direito dos beneficiários à devolução da reserva técnica formada. Após os dois

primeiros anos de vigência do seguro, a indenização é obrigatória, sendo irrelevante se houve premeditação.

Referências:

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 10 jul. 2023.

NORBIM, Luciano Dalvi. Manual prático de seguros no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2014.